Matheus Trevizoli Barrachi
O Paquistão é um país de contrastes e visitá-lo significa ter que lhe dar com esses contrastes dentro de sí mesmo. Ao chegar ao hotel em Lahore, cidade localizada no estado Punjab e a apenas alguns quilômetros da fronteira com a Índia, consegue-se entender porque meus pais se juntaram em uma preocupação sem-fim com a minha segurança. No portão de acesso ao estacionamento do hotel, quatro seguranças armados vistoriam carros e passageiros, enquanto as barricadas exibem rostinhos felizes com a menssagem “Não se preocupe, essas medidas são para a sua própria segurança”. Na entrada que dá para o lobby do hotel, um detector de metais. Em uma pesquisa efetuada antes da visita, quando telefonei para algumas embaixadas localizadas em Islamabad, a maioria de seus funcionários me sugeriu que mantivesse distância do país.
Para piorar, encontrei a mídia local tão alarmada com a situação do país quanto a mídia mainstream internacional, coisa que normalmente não é comum. Os jornais matinais chamavam a atenção para o avanço do Talibã sobre a capital e para seus homens armados andando pelas ruas das cidades do Swat e agora em Buner. A menos de um mês atrás, o próprio Talibã assumiu a autoria de um ataque a academia de polícia de Lahore, onde pelo menos 18 foram mortos e uma centena de pessoas ficaram feridas. Os letreiros com as fotos dos policiais mortos no acontecimento trágico ainda podem ser vistas no local, que não fica a mais do que uns poucos quilômetros do hotel onde estou hospedado.
A justificativa para o ataque, segundo o líder do Talibã no país, Baitullah Mehsud, foi retaliar os constantes ataques executados pelos Estados Unidos ás regiões tribais do Paquistão, utilizando aviões drone, ou tele-guiados. Desde 2001, ainda sob o comando do General Pervez Musharraf, o Paquistão se juntou à coalização anti-terror norte-americana, apoiando o envio de tropas ao Afeganistão. Boa parte da população ainda associa os atuais problemas do país às ações tomadas por Musharraf na luta contra o terrorismo.
O Talibã começou a ampliar seu controle sobre o país depois que os Estados Unidos pressionaram o governo do Paquistão a atacar os povos tribais da região do Waziristão, à qual o governo paquistanês garante uma certa autonomia. Como em muitas tribos ao redor do globo, não era raro que se encontrasse entre as pessoas dessa região aqueles que portassem armas e as exibissem nas ruas sem o menor pudor. Eis aí o primeiro contraste, a coexistência do moderno estado paquistanês com suas regiões tribais.
O vácuo de poder criado na região por essa situação facilitou a infiltração e o crescimento do Talibã, principalmente quando os ataques paquistaneses contra as tribos e lidranças locais enfraqueceram as estruturas de poder que ali estavam. Os norte-americanos não se sentiam a vontade com a quantidade de grupos comandando a política local e exibindo armas pelas ruas, tão próximos ao Afeganistão e forçaram um ataque. Não é à toa que a atual Secretária de Estado Hillary Clinton afirmou com certo pesar na semana passada que a expansão do Talibã sobre o Paquistão é um problema criado por seu próprio país. Não podemos esquecer também que nos anos 80 os Estados Unidos finaciaram abertamente o movimento talibã no Afeganistão na luta contra os soviéticos.
O atual governo aprovou, em abril desse ano, uma lei muito requisitada pelas lideranças talibãs que determinou a aplicação da sharia em termos mais estritos nas regiões tribais. O que isso significa, caro leitor, levaria mais páginas para explicar do que esse jornal tem a oferecer em sua edição diária, mas indo pela via política e deixando a religião um pouco de lado, significa que o Talibã desejava, de papel passado, o controle sobre a região. E o governo central e seus parlamentares o concederam. Em troca, o governo exigiu que o Talibã deixasse de agredir a população, que suspendesse os postos de controle em ruas e estradas e que parasse de exibir armas em público. No entanto, o Talibã não manteve sua parte do acordo e os ataques contar instituições do governo continuaram, basicamente porque os ataques americanos à região ocupada também não cessaram.
Já existem aqueles, entre os parlamentares pasquitaneses, que associam a escalada na violência à ação norte-americana e pedem que o Paquistão abandone a coalizão anti-terror. Impossível descordar. Porém, na situação atual, vale a pena perguntar-se que bem faria ao governo e a população local ceder a este tipo de pressão antes que se tente uma solução negociada. O governo paquistanês não deve, neste momento, ceder à pressão talibã se essa ocorre na forma de ataques como os que ocorreram em Lahore.
Neste momento, todos temem o avanço do Talibã sobre a capital Islamabad. Meu temor é temporário, pois deixo o país em alguns dias. Minha preocupação maior fica para aqueles que deixo para trás, pois tratam-se de pessoas cativantes, generosas e hospitaleiras. No país dos contrastes, aquele que o visita não deixa de ficar divido entre o medo e a esperança, a tristeza e a alegria, o ódio e o amor. Se não posso aqui citar o nome de todos aqueles que trasformaram uma visita coberta de incertezas e temores em algo prazeroso e frutífero, deixo meu singelo agradecimento aos meus amigos do Paquistão e os votos de que o futuro do país faça jus a grandeza de seu povo.